Xis Princesa


Hoje acordei meio filosófica
outubro 20, 2008, 8:38 pm
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“Deixei a fatia mais doce da vida na mão dos homens de vida vazia”
Vida – Chico Buarque

Um dia quis ser poeta. Quer dizer, um dia pensei em escrever sobre  tudo o que me passava pela cabeça e transformava em versos que não rimavam com a desculpa de contemporâneos. Lia Leminski. Mas um uma vez li num romance: “Todo mundo escreve poesia quando tem 16 anos”. Tinha 16 anos. E pensei: “Será que vou parar de escrever? Não, claro que não. É um hobby lógico, mas é bom, me alivia, expurga. Aí preenchia o vazio existencial típico adolescente”. Não que eu tenha mudado tanto, de lá pra cá são pouco mais que três anos. Mas nunca mais escrevi poesia. Joguei todos os cadernos fora – Uma estupidez sem tamanho, eu sei – Mas o engraçado é que escrever poesias transformou-se em algo típico dos meus 16. Eu me lembro que quando tinha 12, li um livro chamado “O Diário de Susie – Confissões de uma garota de 16 anos”. Não precisa explicar muito, não é? E me perguntava se me preocuparia com as mesmas coisas que a garota do livro se preocupava quando tivesse 16 anos. Só que com 16, pensava mais no que seria da minha vida daqui pra frente se eu não passasse no vestibular.

Isso me faz pensar. Planejar é engraçado. A gente planeja, esquece, planeja, esquece, e quando viu, já viveu, e viveu planejando. Será que exatamente nesse momento da minha vida estou planejando? Estamos sempre planejando, ansiosos. Passamos pela rua, os bêbados estão gritando nomes estranhos e malucos e ninguém se dá conta que isso é muito estranho e simplesmente segue seu caminho, pensando no que fará no dia. E quando faz, pensa no que fará depois.

Talvez objetivos sejam bons, mas não pra viver em conta deles, se não é só decepção. Também não quero esperar morrer pra chegar no paraíso. Acho que ele pode estar contido numa simples barra de chocolate Alpino. Ou em um nuggets frito com azeite.



Versos Íntimos
agosto 18, 2008, 8:11 pm
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Vês?!  Ninguém assistiu ao formidável 
Enterro de tua última quimera. 
Somente a Ingratidão — esta pantera — 
Foi tua companheira inseparável! 

Acostuma-te à lama que te espera! 
O Homem, que, nesta terra miserável, 
Mora, entre feras, sente inevitável 
Necessidade de também ser fera. 

Toma um fósforo.  Acende teu cigarro! 
O beijo, amigo, é a véspera do escarro, 
A mão que afaga é a mesma que apedreja. 

Se a alguém causa inda pena a tua chaga, 
Apedreja essa mão vil que te afaga, 
Escarra nessa boca que te beija!

(Augusto dos Anjos)

É engraçado. De certo modo essa poesia me persegue. O título dela  é “Versos Íntimos”. Tem horas que adoro, outras que odeio, mas me é íntima, de verdade, como jamais outra coisa foi. E isso porque sempre que sinto a escarrada, dou-lhe razão. “Como esse ser humano pôde ter escrito tão bem aquilo que se vê nos cantos da vida?”. Também me pergunto se isso acontece com todo mundo, ou se simplesmente estou num momento pessimista da vida. Cheguei a um extremo, e perdão por citar Amy Winehouse logo depois de Augusto dos Anjos, mas… “Love is a Losing Game”.

Por que arriscamos amar? O amor é um defeito insaciável do homem, talvez um desejo desesperado e íntimo de sofrer achando que está em busca da felicidade. Sempre que amamos, nos decepcionamos. Mas quando não temos ninguém pra amar também ficamos insatisfeitos. Existe a plena felicidade que dura através de anos, existe esse tal amor infinito e insuperável que nos fazem digerir – e acreditar – nas telenovelas, por exemplo?! Na vida real, não ouço histórias como essa. Ouço histórias de mentiras, hiprocrisia, terror, saudades… Mesmo nos casos aparentemente bem sucedidos… Nas histórias de amor há sempre uma vírgula, acho que é assim que elas se sustentam.

Na verdade há muita coragem em quem arrisca amar. Coragem dos dois lados. Tentam se convencer que são uma coisa só, mas são duas, sempre vão ser. Dois corpos distantes, inquietos, que não se conhecem, apesar de tudo. Dois seres pensantes, energia ligando-os em algo que é inexplicável e alguns dão um nome.

Amor não existe. É uma palavra designada para sentimentos e ações que as pessoas consideram semelhantes. Amor transcende. A idéia do que ele é está dentro de cada um, seria impossível unir as suas com a dos outros, mas ela se constrói com a tentativa. Tentamos infinitamente, com vírgulas, sem vírgulas… Um dia sentamos e aí: “Eu amo essa pessoa, é amor! O que mais poderia ser?” – Então o convencimento. Das vírgulas, da superação, da teoria, da prática, então dizemos: “Amor é isso aqui”.

Apesar de tudo, eu não me isento. Tenho necessidade de amar, de superar-me e não consigo evitar nada disso. É mais fácil pensar assim: A mão que te afaga é a mesma que apedreja… Apedreja essa mão vil que te afaga! Maior que é a coragem de amar, é a de não amar, não se entregar a essa chama maravilhosamente mórbida. Antes das vírgulas… Pontue.



Rodoviárias
junho 30, 2008, 9:32 pm
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Parei em um banco, chegando de outra cidade. Fiquei lá. Atrás de mim, um homem que não ousei encarar, falava animadamente ao telefone. Acho que era gay. Mas estava arrependido de alguma coisa. Haviam outras pessoas sentadas, esperando, sozinhas. Havia de dois a três bancos entre elas. Uma a minha frente fumava e lia um livro. Havia também um garotinho que me encarava as vezes com seus olhos grandes de criança curiosa. Comecei a ter a idéia de escrever sobre rodoviárias. Logo tracei um curto diálogo silencioso comigo mesma: “Acho que alguém já deve ter escrito sobre rodoviárias. Será? Com certeza alguém já escreveu. Mas é uma idéia tão bacana. Vou escrever no meu caderninho, e daí se alguém já escreveu? Se já, eu nunca li.” – Quer dizer, não dá pra transcrever exatamente o que eu pensei, mas juro que foi mais ou menos isso.

Então comecei a escrever sobre rodoviárias. E descobri que há muito o que falar sobre elas…

A rodoviária não é o lugar comum dos estranhos desconhecidos. Lá, ninguém se olha, as vidas passam alheias, porque todos se preocupam demais com as suas próprias vidas quando voltam ou estão de viagem. Estão pensando “Que horas são?”, “Estou atrasado”, “E se o vidro de perfume estourar na minha mochila?”, “Esqueci as escovas de dente”, “Que saudades..” e assim por diante. Então cada um segue seu rumo, literalmente. Ah, se a vida fosse rodoviária!

A rodoviária é o antro da saudades, dos sentimentos mais puros. Ouvi dizer uma vez que “miss” em ingles quer dizer “sentir falta”, mas não há designação da palavra “saudades” – aquele sentimento de angústia (?) misturada com solidão (?) fervor, amor, ódio (????) – em mais nenhuma outra lingua a não ser no português. Os brasileiros sentem saudades, nobre. E é na rodoviária que esse sentimento deságua nas mais diferentes maneiras. A saudade, ao mesmo tempo que morre ali, também nasce. As pessoas vão e vem.

A rodoviária é o espaço dos abraços, das descobertas, dos deslumbramentos, da ansiedade, do nervosismo, do medo, do refúgio, da escapatória, da solidão, da congregação.

A rodoviária é a igreja do brasileiro. Que está sempre lá, tão longe… E sobre rodoviárias, fico com a impressão que disse muito pouco.

 



Crônica: Exercício de Flanêur
junho 16, 2008, 5:32 pm
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Inspirado nas minhas aulas de sociologia.
“Não existem coisas interessantes. Existem olhares interessantes sobre as coisas” (Lira)


Nesta cidade, onde há tudo e nada ao mesmo tempo, nem vejo o tempo passar porque estou dormindo, apoiada na janela do ônibus. Abro os olhos. É um ambiente tão acolhedor… Está frio e todos estão agasalhados, menos aquele senhor sentado na sarjeta bebendo algo na sua caneca de alumínio. Ele está com calor, está em seu interior e a cidade não está lá para ele.

Se chove, todas as direções são duplicadas. As gotas caem e todos fogem, mas não vêem seus sapatos de couro refletidos nesse espelho d’agua. Que pena. Ali há um pombo pousado no alto de um poste. Ele observa o horizonte, de um lado para o outro, sua cabeça não fixa. E a multidão passa lá em baixo, e ele não vê, simplesmente não os vê.

O homem com medo e sendo perseguido, a velha senhora com uma sacola de feira no meio de uma grande avenida, o jovem ansioso esperando a namoradinha, a garota ouvindo musica impunemente, o grupo de meninos rindo de algum machismo, algumas pessoas tão parecidas… Duas bolsas iguais. Dois sapatos iguais, mas um está mais sujo, outro é maior.

Segue o corredor de ônibus, e as pessoas esperam lá, sem saber pra onde olham. As vezes alguém chama a atenção mas tem de desviar o olhar porque ela parece não gostar de ser observado… Mas vou olhar pra onde, então? Para o tênis, o canto da bolsa, o broche pousado, a formiga andando ali tão solitária! Mas formigas não andam em grupos? Pessoas andam sozinhas demais. Cada um comendo seu prato em uma mesa muito maior. “Com licença, posso sentar aqui?”. É incômodo dividir a mesa com estranhos. O silêncio gritante de dois desconhecidos! Sofremos no elevador. “São só alguns minutos, segundos, talvez”.

Há camadas de sons ecoando. Alguém falando do meu lado, a britadeira, os carros, os ônibus, as pessoas falando, os passos, as árvores chacoalhando com o vento, caixas registradoras, risos, coisas caindo no chão, um homem que toca com a colher num prato vazio, o bêbado que murmura, empurrões, coisas derrapando, sacolas de supermercado, moedas, caixas de cerveja… Quem sabe lá no fundo, o som de passarinhos?

Há camadas de cheiros também. Expressões faciais provindo desses cheiros. Cheiro de pó, de sujeira, de perfume importado, de mulher, de homem, de bebê, cimento, cigarro, arbusto, fumaça, café, suco, comida, cabeleireiro, plástico… Mas não se sente nada, todos estão gripados. No fundo quem sabe, o creme nos cabelos da garota, aqueles cabelos com aparência de molhados, mesmo depois de secos a muito tempo… O que nos irrita, talvez percebamos… Leggings… “Que mau gosto!”

Fiquei de olhos abertos. Até chegar no ponto final. Abstraí, pensei nesse texto, tudo acaba em menos de um segundo. Volto-me para meu interior, e a cidade lá fora, vivendo tudo tão descaradamente, bem na minha cara. Menos de um segundo.